MÃES À TODA PROVA: A HISTÓRIA DE ANA RITA, FILHA DA ‘GUERREIRA’ MARIA JOAQUINA

Categoria: ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO
Publicado em: 11/05/2021 11:53:26

Largamente utilizado no Norte do País como sinônimo de seio, mama ou peito feminino, o termo “pituca” parece cair como uma luva quando vira apelido em pessoas cuja história de vida é fortemente marcada pelo instinto materno. É o caso da guaraense Ana Rita Ribeiro Chaves Lobato, 45 anos.

Para os íntimos, Pituca.

Técnica de enfermagem na unidade básica de saúde do Jardim Paulista e plantonista da Santa Casa, onde também presta serviços para o SAMU, Ana Rita carrega as marcas de uma infância difícil e, na fase adulta, uma trajetória de superação e conquistas.

O apelido vem da infância, em parte vivida em uma colônia de trabalhadores rurais de uma das fazendas dos irmãos Nakano, onde nasceram seis de seus oito irmãos. Caçula da prole, desde muito cedo – assim como os irmãos – foi ensinada a trabalhar. Aos sete anos começou a aprender tarefas domésticas: limpar, cozinhar e cuidar de bebês.

Desse período, Ana Rita traz lembranças de enormes dificuldades. De ir à escola, muitas vezes, descalça. De levar para a sala de aula, ao invés do caderno, um papel de embrulhar pão. De usar uma bolsa – antes mesmo do luxuoso embornal – feita a partir de uma embalagem do macarrão que os patrões compravam.

Lembranças da casa dos pais, na Vila Vitória, ser construída, pouco a pouco, com barro e restos de materiais de outras construções. De pentear os cabelos com surradas escovas de tanque, que para os patrões já não serviam mais. De comer carne – mesmo assim, um pedaço para cada um – uma vez por semana. Lembranças de quando, orgulhosa, queria que os coleguinhas do Nehif Antônio ou da Casa da Criança vissem o pão com ovo que a mãe havia preparado para o lanche do recreio na escola, o que era raro.

Desse período, Ana Rita traz, também, lembranças da mãe, Maria Joaquina. Lembranças e, sobretudo, aprendizados:

– Minha mãe era guerreira. Uma mãezona. Trabalhava muito, o pé ficava rachado pela poeira. Mas nunca deixou a peteca cair. Sempre nos ensinou a coisa certa. Que o que é dos outros, é dos outros. A fazer tudo com carinho. A fazer as coisas sem esperar recompensa. Coisas que eu e meus irmãos carregamos para a vida inteira. A vida era difícil, mas muito difícil mesmo. A sorte é que tivemos uma mãe maravilhosa, que lutou muito para nos criar e fez da gente pessoas de bem.

Pituca conta que, quando todos já estavam crescidos, a mãe reuniu os filhos e anunciou: iriam deixar a casa do pai, cansada que estava dos maus-tratos do marido. A vida sobrecarregada, em casa e no trabalho, não demoraria a cobrar a conta: Maria Joaquina morreu de infarto quando Ana Rita tinha 14 anos. Não demorou e o pai, João Luiz, também se foi – esfaqueado em casa. Uma semana depois, um dos irmãos, que, indignado, não dormira desde a morte do pai, também morreu, infartado. Logo depois, uma irmã partiu, pelo mesmo motivo. Tudo isso em um período de sete meses.

Aos 19 anos de idade, Ana Rita casou com Eduardo Lobato. Tiveram dois filhos, Ana Carolina e Octávio. Abrigaram também um sobrinho, da irmã falecida de Ana Rita. Pituca havia parado de estudar, mas nunca de trabalhar, sempre de casa em casa, sempre com “os japoneses”. Até que, aos 30 anos, decidiu se formar. Ingressou no curso gratuito de Enfermagem na Escola Técnica Profissionalizante (Etec) de Orlândia.

– Quando eu estudava, levantava às cinco da manhã e voltava para casa só às sete da noite. Muitas vezes minhas companheiras chamavam para fazer vaquinha para comprar comida e eu falava que não estava com fome, mas não tinha era dinheiro. Mas venci. Com a ajuda da família, né. Meu marido me apoiou muito, meus filhos também. Estudava até de madrugada, porque no outro dia não dava tempo. Mas sou grata a Deus por isso.

Logo que se formou, Ana Rita começou a trabalhar como técnica de enfermagem. Durante sete anos, revezou-se entre Guará e Ituverava. Da Santa Casa de Ituverava, pouco antes de pedir a conta, recebeu um recado da diretoria para lá comparecer com urgência. O coração parecia que queria sair pela boca. Ana Rita ficou em polvorosa. Teria feito algo de errado? Foi até lá, com os nervos à flor da pele.

– Ganhei um Certificado de Bom Atendimento aos Pacientes – conta ela, visivelmente emocionada.

Faz onze anos que Ana Rita atua nos postos de saúde do Jardim Paulista e da Vila Vitória e dá plantões na Santa Casa de Guará. Em um ou outro, integra a linha de frente no combate à Covid-19, doença que até a primeira semana de maio havia ceifado a vida de 64 guaraenses – e as de mais de 400 mil pessoas em todo o Brasil. Encarar o coronavírus de frente, no dia-a-dia, trouxe consequências:

– Quase todo mundo em casa se contaminou. Eu, meu marido, meu filho e um neto, todos pegamos a doença. Meu marido, por ser diabético, chegou a ir para a UTI. Mas estamos todos curados, graças a Deus!

Na Santa Casa de Guará, Ana Rita Ribeiro Chaves Lobato põe em prática os ensinamentos obtidos na Etec de Orlândia – e, também, o legado da mãe Maria Joaquina: fazer as coisas com carinho, sem esperar recompensa. Atende, da mesma forma, pessoas ricas e andarilhos – para alguns deles, conseguiu encontrar a família, como o caso de um rapaz que passou a andar a esmo depois de perder a esposa em Franca.

– O segredo é a gente conseguir a confiança da pessoa. É preciso atenção, carinho, deixar a pessoa falar. É assim com qualquer doente. Não é só a medicação; tratar com amor também ajuda. Uma oração, um abraço... e a pessoa, muitas vezes, se sente melhor do que tomando remédio.

Pituca conclui:

– Quem tem mãe tem que valorizar. Quem não tem mais, pode passar o tempo que for, a gente não esquece. Se eu não tivesse sido mãe, a vida não teria tido mais graça depois que eu perdi a minha.