MANECO CHAUD E A LISTA TELEFÔNICA DE APELIDOS: A IDEIA GENIAL DE UM PROFESSOR DE GUARÁ

Categoria: ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO
Publicado em: 31/05/2021 10:47:43

Imagine a sua mãe ou sua vó precisando ligar para o Dadinho para saber se já havia chegado, na loja dele, o material escolar daquele ano. Se não soubesse que o dono da loja se chamava Geraldo Garcia Andrade, ela estaria em enorme dificuldade para encontrar o número na lista telefônica.

Imagine seu tio ou seu vizinho querendo comprar uns bezerros do Zu Polo e não tivesse o número dele devidamente anotado em algum lugar. Coitado! Levaria tempo até descobrir que o nome do pecuarista era Odílio.

O amigo do seu pai precisava ligar para o Ziquinho de Paula para vender algumas toneladas de adubo para ele cultivar algodão. Seria necessária uma bola de cristal para descobrir o nome real do agricultor: Lázaro.

Infortúnio semelhante teria alguém que quisesse ligar para o Milim para saber se na loja dele tinha o sapato tal de número tal. O cabra teria de adivinhar que o nome do comerciante – ainda vivo, aos 90 anos de idade – é Sahid Elias Antônio.

Antigamente, em Guará, recorrer à lista telefônica era um martírio. Para encontrar o número desejado, a pessoa tinha, primeiro, que localizar as páginas de Guará em meio às de várias cidades da região, na lista organizada pela CTBC.

Depois, era preciso saber o nome completo do dono da linha telefônica – a operadora elaborava a lista a partir do sobrenome, em ordem alfabética. Pior: poderia haver homônimos, o que complicava ainda mais a missão.

Essa tarefa foi absurdamente facilitada, na segunda metade da década de 1980, por conta do trabalho minucioso de Manoel Abrahão Chaud. Professor aposentado do Colégio Helena Telles e vereador por seis mandatos consecutivos, de 1960 a 1988, Chaud conhecia muitos guaraenses, assim como era conhecido por quase todos – pelo apelido, claro: Maneco.

Vai daí que, certo dia, o professor Maneco faz uma proposta inusitada ao pessoal da Gráfica Galdiano: publicar uma lista telefônica apenas com os telefones de Guará. E mais inusitada ainda: além dos nomes normais, a lista traria, em uma segunda parte, a relação completa dos mesmos donos de telefones, desta vez identificados pelos apelidos.

A iniciativa, que poderia ser enquadrada como maluca, revelou-se de uma utilidade à toda prova. Afinal, em uma cidade pequena, conta-se nos dedos o número de moradores que não tenham, junto ao nome, alguma referência à família, à profissão, à região onde mora ou a qualquer outro detalhe que os caracterizem.

Publicada em 1987 e distribuída gratuitamente, a lista do professor Maneco incluía Agostinho da fábrica de biscoitos, Bizolin, Carlinho careca, Carreirinho caminhoneiro, Chuchu do Itaú, Dito do Janga, Gino da Mana, Jesus bilheteiro, Mozart da Tatinha, Totonho do Mercadinho, Sabinão – e por aí afora.

Nasceu na família

Falecido em 2004, aos 74 anos, Maneco Chaud casou-se com Idê Pires. Tiveram três filhos: Mônica, Abrahão e Érica. Abrahão morreu em 2020. Idê, Érica e Mônica moram em Franca. Elas contam que a ideia de Maneco nasceu por conta da própria família. “Meu mesmo tinha apelido, assim como os irmãos e irmãs”, diz Mônica, ao citar os tios Rubens (Bimba) e Chaude (Chaudinho) e as tias Zenaide (Tatá) e Maria Aparecida (Tita) – os únicos irmãos que escaparam de apelidos foram Wilson e Enedina. “Depois meu pai foi anotando os apelidos de que se lembrava e completou a lista pesquisando com os moradores”, acrescenta a filha.

“A lista foi uma parceria do professor Maneco com a gráfica”, lembra Renato Galdiano, que edita o jornal Cidade de Guará e mantém um orquidário em Ituverava. “O Maneco fez o levantamento dos nomes e apelidos. A gráfica diagramou, imprimiu e distribuiu, gratuitamente. Vendemos alguns anúncios para tirar as despesas da impressão. Não visamos lucro. O objetivo era ser um diferencial na cidade.”

A lista foi impressa em dois formatos: um de 29,4cm x 21,5cm, para se guardar em casa, e outro menor, para ser carregada no bolso da calça. É uma desse tipo, o menor, que o empresário Luiz Junqueira guarda com carinho em casa. “A listinha fica sempre entre as coisas afetivas de Guará que guardo comigo”, afirma Luiz, dono de uma empresa de captação de resíduos para serem transformados em energia. “Essa listinha já resistiu a seis mudanças”, lembra ele, que atualmente mora em Marília. “Tenho um ciúme danado dela.”

É pouco provável que Maneco Chaud tenha se inspirado em algo similar para elaborar a lista Só Guará, com apelidos, em 1987. Pesquisa no Google, site de buscas na internet, mostra uma iniciativa semelhante em Pilar do Sul (SP) em 2005 e uma outra mais antiga, da década de 70, em Itambacuri (MG). Se não foi uma ideia original, ao menos a iniciativa de Maneco Chaud se revelou genial.

CURIOSIDADES

A lista telefônica Só Guará elaborada pelo professor Maneco Chaud tem, na sua versão de bolso, 58 páginas, com os telefones de 604 donos de linhas. A capa traz o brasão de Guará. Na página 2, há os calendários dos anos de 1987 e 1988. Na página 3, telefones de utilidade pública, começando pelo Centro de Saúde: 831.1323. Não havia ainda o primeiro 3 de hoje.

Na época da publicação da lista do professor Maneco, Guará tinha apenas 5 farmácias. Tinha, porém, 6 agências bancárias: Comind, Banespa, Itaú, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Caixa Econômica Estadual. Atualmente tem quatro: CEF, BB, Bradesco e Santander.

A lista Só Guará tem uma primeira parte com nomes convencionais e uma segunda parte com apelidos. Na primeira parte, a letra Z contém apenas um nome, o de Zoraide Gebrin. Na parte dos apelidos, a seção Z tem 38 nomes, como Zé Melhoral, Zé Mário do Itaú, Zezé do Grupo Velho, Ziquinho do Zé Silvério, Zé da Pasta, Zé Guerra e Zé da Lica, cujo bar na Vila Vitória é hoje tocado pelo filho.

A seção W segue caminho inverso. Na lista “normal”, há sete nomes. Na de apelidos, permaneceram apenas dois: Wando da Zizita (Wando Pereira, fundador do Posto Algodoeira) e Welson-residência, referência a Welson Pereira, que trabalhou na prefeitura e também atuou como despachante.

A seção I começa e termina com dois nomes raros: Idomeneo Castro Júnior e Izupero Vieira.

Além de agricultor, Ziquinho de Paula, que aparece no início desta reportagem, era também violeiro. A veia artística foi passada para o filho dele, que liderou uma banda que animava bailes em toda a região e, por isso, era conhecido como Paulinho dos Mongóis.

A lista telefônica que aparece nesta página, encadernada com plástico, é de Geraldo Chaud, que ainda hoje a mantém em seu escritório, bem conservada, para eventuais consultas.

Na época da publicação, linha telefônica era um bem. Comprava-se e vendia-se como uma mercadoria qualquer. E era relativamente cara. Nem todos podiam ter. Guará devia ter aproximadamente 17 mil habitantes. E as linhas eram pouco mais de 600.

As operadoras de telefonia eram públicas e estaduais. No estado de São Paulo, era a Telesp – privatizada, assim como as demais, no governo de Fernando Henrique Cardoso. A Telesp não chegava a atender todo o estado. Havia exceções. Ribeirão Preto, por exemplo, tinha a companhia municipal, a Ceterp, privatizada na gestão do prefeito Antônio Palocci, que viria a ser ministro de Lula e Dilma.

Guará era atendida por uma empresa privada, a CTBC. Fundada em 1954, a Companhia Telefônica Brasil Central atuava em regiões interioranas de São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. A CTBC – hoje Algar Telecom – permaneceu como empresa privada mesmo após a criação da Telebrás, no regime militar.

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FOTOS

As imagens mostram:

. O professor Maneco jovem (preto e branco)

. Em idade próxima de quando elaborou a lista de apelidos (terno azul)

. Com a esposa Idê

. Com os irmãos Chaudinho, Enedina e Tita

. Abrahão, Mônica, Idê e Érica

. O empresário Luiz Junqueira em seu apartamento em Marília

. A lista de bolso encadernada em plástico, de Geraldo Chaud.