LIVRO RESGATA ORIGEM DO MOVIMENTO EVANGÉLICO EM GUARÁ

Categoria: CULTURA
Publicado em: 16/12/2021 22:34:34

Na próxima sexta-feira, 3 de dezembro, acontece em Guará o Dia da Bíblia. A preleção do pastor Weder Moreira e o show musical de Samuel Messias, a partir das 19h, ao lado do prédio da Caixa Econômica Federal, promete reunir centenas – talvez milhares – de adeptos de um ramo da religião cristã cuja origem se confunde com a própria história do município.

O movimento evangélico começou a se estabelecer na cidade poucos anos depois da emancipação política de Guará, fundada em 1902, mas tornada município em 1925. 

Em livreto de 26 páginas publicado há dois anos, por ocasião dos 70 anos de fundação da Assembleia de Deus em Guará, o contabilista aposentado Paulo César Villela identifica três fases distintas para o surgimento e consolidação das correntes evangélicas em Guará: de 1930 a 1940, de 1940 a 1949 e de 1949 até os dias atuais.

Os evangélicos – afirma Villela no livreto – iniciaram sua trajetória em Guará, passo a passo, alcançando membros de famílias tradicionais ligadas entre si por ascendentes em comum do capitão Antônio Ribeiro dos Santos.

O início, cuja data não é registrada com precisão, se deu com a visita de um missionário da Igreja Metodista do Brasil, possivelmente vindo de Ribeirão Preto ou Franca, ao agricultor José Ribeiro Calazans, um dos filhos do capitão.

Zequinha Calazans, como era conhecido, morava na antiga Rua Rui Barbosa, bem próximo onde hoje está instalada a Associação Atlética Guaraense. Tampouco se sabe se a visita do missionário à casa de Zequinha se deu por acaso ou por indicação de alguém. 

O fato, afirma Villela, sobrinho-neto de Calazans, é que o ilustre visitante encontrou a pessoa certa em sua viagem missionária.

“Tio Zequinha era uma pessoa de grande caráter, humildade e de moral ilibada. Muito bem informado sobre todas as coisas, um verdadeiro autodidata que, além de tudo, tinha bom relacionamento com pessoas influentes na vida política e social da região”, relata.

Na visita, o missionário metodista falou sobre a Bíblia e os ensinos do Evangelho que poderiam estar ao alcance de qualquer indivíduo, através da leitura do livro sagrado e da meditação sobre a possibilidade de uma vida melhor na presença de Deus.

Calazans ganhou um exemplar das Sagradas Escrituras e a promessa do missionário de que voltaria para retomar o diálogo. Ao retornar, constatou que Calazans havia promovido reuniões entre amigos e familiares para pregação do Evangelho e havia, assim, implementado a parábola do Semeador.

Estava formado o primeiro grupo evangélico de Guará que, com esforço e cooperação, ergueu um pequeno templo da Igreja Metodista, na Rua Carlos de Campos, área central.

“Com o passar do tempo, a Igreja Metodista não dispunha de condições para acompanhar o trabalho em Guará, por falta de pastores que a visitassem com regularidade”, afirma Villela. Começa, então, uma outra fase do movimento evangélico na cidade.

No início dos anos 1940, o guaraense “Arthur Lilica”, de passagem por São Joaquim da Barra, entra, casualmente, em um salão de reuniões onde o missionário escocês Willian Maxwell – conhecido no Brasil como Guilherme – liderava um grupo evangélico.

Lilica se apresenta a Guilherme como adepto “dessa lei” e, com a ajuda dele, passa a liderar, em Guará, o mesmo grupo iniciado sob a orientação dos metodistas. Guilherme, então, passa a empreender um esforço incomum: regularmente, aos sábados, faz o percurso de 20 quilômetros, de bicicleta, pela antiga estrada de terra, para dar assistência aos crentes, retornando a São Joaquim da Barra no dia seguinte.

Willian “Guilherme” Maxwell cumpre essa rotina por quase dez anos a fio, até que retorna para a Escócia. Começa, aqui, a terceira fase na evolução do movimento evangélico em Guará.

Em 30 de julho de 1949, o guaraense Antônio de Paula Santos – tio de Paulo César Villela – recebe a visita, em casa, de Venâncio dos Santos e Manoel Pereira da Silva, provenientes de Igarapava. Na casa de Antônio, naquele dia, é realizado o primeiro culto da Assembleia de Deus em Guará. 

Logo depois, Manoel Pereira muda-se para Guará, em uma casinha da antiga colônia de Vicente Nicolela. “Para surpresa dos mais conservadores, foi implantada a Igreja Assembleia de Deus aqui, seguindo a doutrina pentecostal”, destaca Villela. 

Ao retornar da Escócia, Willian “Guilherme” Maxwell encontra os membros da antiga Igreja Metodista agora seguindo os princípios da Assembleia de Deus. Consegue resgatar parte do grupo, agora denominado Casa de Oração.

Em 22 de janeiro de 1950, a Assembleia de Deus realiza seu primeiro batismo nas águas, em Guará. Para isso, o córrego da Vila Vitória ou córrego da Santa Casa é represado com troncos de bananeira para formação de um tanque.

Na ocasião, o pastor Miranda, presidente do campo de Igarapava, batiza Antônio de Paula Santos, Mariana de Paula Alves, Inair de Paula Villela, Ernestina de Paula Assed e Olga de Paula Martins.

No livreto, Paulo César Villela ressalta que naquela época, ainda antes de 1950, outros grupos evangélicos marcam presença em Guará, como a Congregação do Brasil. Atualmente, são dezenas de correntes evangélicas instaladas na cidade, de diferentes vertentes, sejam elas fundamentalistas ou liberais, moderadas ou conservadoras.

SAIBA MAIS

A Rua Rui Barbosa, onde morou Zequinha Calazans, chamava-se Deputado João de Faria, em homenagem ao político que ajudara o então distrito de Guará a ter seu cartório de paz. Na época do Estado Novo, a população retirou as placas e instituiu o nome de Rui Barbosa, jurista que ajudou a escrever a primeira Constituição republicana. Em 1948, José Landim – primeiro prefeito eleito após a Ditadura Vargas – resgatou o nome original da rua, que atravessa a cidade no sentido leste-oeste.

O capitão Antônio Ribeiro dos Santos, cuja família deu origem ao movimento evangélico em Guará, dá nome à longa rua que começa na “Antônio Felisberto Figueiredo”, no conjunto Nélio dos Santos, e termina na “Campos Sales”, que passa pela Praça da Matriz e termina no portão do campo da AAG.

O primeiro templo evangélico de Guará, erguido na Rua Carlos de Campos, na altura dos fundos do antigo cinema, não existe mais.

Construído entre 1956 e 1957, o primeiro templo da Igreja Assembleia de Deus permanece no mesmo local, na Rua Domiciano Cristino, 322, na Vila Maria. A Assembleia possui outros dois templos na cidade: nos jardins Itapema e Nossa Senhora das Graças.

A Casa de Oração, erguida provavelmente na década de 1950, ainda está de pé, na Prudente de Morais, a poucos metros do colégio Helena Telles. Reúne evangélicos de uma linha não pentecostal.

Zequinha Calazans foi administrador da então vila de Guará no início do século passado. Foi vereador em Ituverava de 1917 a 1924, tendo participado ativamente da emancipação política, concretizada em 1925. Além de agricultor, era homeopata prático. Nasceu em Ituverava em 1871 e morreu em Guará em 1954.

IMAGENS

1. Primeiro batismo nas águas realizado em Guará, em 22 de janeiro de 1950, em uma parte represada do córrego da Santa Casa.

2. Fachada do primeiro templo da Assembleia de Deus em Guará, em 1959. O prédio ainda existe, na Rua Domiciano Cristino, na Vila Maria.

3. Recorte do livro “Logradouros e ruas de Guará”, de Romeu Franco Ribeiro, traz a foto e o perfil de Zequinha Calazans, em cuja casa começou o movimento evangélico em Guará.