LIBERAL, IDEALISTA, APAIXONADO POR GUARÁ: UM SÉCULO DO DOUTOR JAHYR DE PAULA RIBEIRO

Categoria: ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO
Publicado em: 11/10/2022 10:39:14

Uma foto do álbum de família, a preto-e-branco, clicada durante o carnaval de 1965, o primeiro da então recém-inaugurada Associação Atlética Guaraense, o mostra trajando uma camiseta confortável, sorriso aberto, de braços dados com a esposa, na boca um apito e na mão um frasco de lança-perfume. A imagem resume algumas das características marcantes daquele folião: um homem divertido, liberal, sempre envolvido com a comunidade e, sobretudo, apaixonado pela cidade.

Nesta terça-feira, 11 de outubro, Guará comemora o centenário de nascimento do doutor Jahyr de Paula Ribeiro.

Sétimo de uma prole de dez filhos do casal Carolina e José de Paula Ribeiro, doutor Jahyr nasceu em 1922 na Fazenda Pouso Alto, na divisa entre Guará e Ituverava, onde iniciou os estudos. Em 1944, mudou-se para São Paulo, para estudar no Anglo Latino, um curso preparatório para vestibulares. Em janeiro do ano seguinte, ingressou na Faculdade de Medicina da Universidade do Paraná, em Curitiba. Formou-se em 1950.

Além dos estudos, a passagem pela capital paranaense foi marcada pelo ativismo político que sempre o acompanharia. Presidiu o Diretório Acadêmico Nilo Cairo por duas vezes e também o Diretório Central dos Estudantes, pelo qual participou de movimentos grevistas que reivindicavam melhorias no ensino superior. Como representante dos alunos, encabeçou o movimento que resultou na federalização da universidade, desde sempre considerada uma das melhores do país.

Nas aulas de educação física, que todos os universitários fazem, independentemente do curso, Jahyr de Paula Ribeiro optou por um esporte incomum: a esgrima. Destacou-se na modalidade, a ponto de ter disputado duas edições dos Jogos Universitários Brasileiros como esgrimista – em uma, foi campeão; noutra, vice. No último ano de faculdade, fundou a Federação Paranaense de Esgrima, da qual tornou-se o primeiro presidente.

Antes mesmo da esgrima e da militância política estudantil, Jahyr de Paula Ribeiro enamorou-se de uma colega de turma: a paranaense Ephigênia de Souza Castro. Jahyr a conheceu antes mesmo da faculdade, durante o vestibular. Iniciaram o curso mesma turma e dele saíram unidos para sempre: no dia seguinte à formatura em Curitiba, Jahyr e Ephigênia se casaram em Ponta Grossa.

O OLHO CLÍNICO

Em Guará, Jahyr de Paula Ribeiro sempre atuou como clínico geral, profissional que, segundo a Sociedade Brasileira de Clínica Médica, pode diagnosticar e tratar mais de 80% dos problemas de saúde. O olhar clínico do doutor Jahyr, pelo qual era reconhecido, devido à alta eficácia em diagnósticos, foi fruto, sobretudo, dos muitos cursos que realizou.

Enquanto estudante de medicina, sempre na Universidade Federal do Paraná, Jahyr de Paula Ribeiro foi interno voluntário da Cadeira de Clínica Dermatológica e Sifilografia, em 1948. No mesmo ano, participou da Primeira Série de Conferências sobre Venerologia. Em 1949, cursou Aperfeiçoamento de Radiodiagnóstico e Radiografia, assim como Anatomia Topográfica e, também, Patologia e Clínica Médica. No ano em que se formou, 1950, fez Aperfeiçoamento de Traumatologia.

No decorrer da carreira, já formado, fez o Curso de Moléstias de Chagas, promovido em São Paulo pela Sociedade de Zoologia e Parasitologia, em 1957. Atualizou-se em Hormonioterapia Gineco-Obstetrícia na Faculdade de Medicina da USP, em Ribeirão Preto, em 1963. Em 1971, outros dois cursos: Tisiologia Sanitária pela Divisão Regional de Saúde de Ribeirão e Dermatologia Sanitária pela Escola Paulista de Medicina, no Hospital Emílio Ribas, na capital paulista.

NO VALE DO RIBEIRA

Em 1951, nos primeiros meses pós-formatura, doutor Jahyr clinicou em Curitiba. Mas logo em junho daquele ano mudou-se para o Vale do Ribeira, como médico-chefe das unidades sanitárias dos municípios de Apiaí e Iporanga, contratado pela Société Minière et Métallurgique de Peñarroya, empresa espanhola do ramo de metalurgia e mineração que explorava uma mina de chumbo naquela região, compreendida entre os estados de São Paulo e Paraná.

São daquela época os três primeiros filhos do casal, todos paranaenses: Maria Vitória, a Totóia, de 1951; José Joaquim, o Quim, de 1952; e Cássio, de 1954. Maria Augusta, a Guta, nasceria em 1960, na Santa Casa de Ituverava, e doutor Jahyr fez questão de registrá-la em Guará. “Meu pai gostava muito de Guará. Era a maior paixão dele”, afirma Guta, a caçula.

Quim e Cássio faleceram em 2008, de leucemia e tuberculose, respectivamente. Guta é professora aposentada e chef de cozinha, diplomada em Campos de Jordão. Mora em Guará. Totóia, a primogênita, reside em Ribeirão Preto. É aposentada, como professora e dona de escola.

No álbum de família, há registros fotográficos da passagem da família pelo Vale do Ribeira, na primeira metade da década de 1950 – desde a casa em que moraram, o imóvel em que doutor Jahyr trabalhava, até o veículo de pernas pro ar que capotou com a família numa ribanceira, sem maiores danos para o casal e os filhos pequenos.

O IDEALISMO

Jahyr e Ephigênia mudaram-se para Guará em 1956 e aqui ficaram até 1973. Neste período, o casal dividiu com o doutor Francisco de Paula Leão – cujo centenário de nascimento se deu em 6 de setembro último – a incumbência de prestar assistência médica à população de Guará e do distrito de Pioneiros.

Doutor Jahyr e doutora Ephigência moraram na Rua Campos Sales, no imóvel hoje ocupado pela Secretaria Municipal de Educação. O consultório de ambos ficava em frente à residência. Doutor Jahyr não negava atendimento a quem não pudesse arcar com o preço da consulta. Assim como não negava atendimento a quem a ele recorria nos horários mais impróprios.

“O quarto deles é do que ficava próximo à calçada”, afirma a filha Guta. “Lembro das muitas vezes que batiam na janela do quarto, à noite ou mesmo de madrugada, em busca de atendimento de emergência. E meu pai os atendia, prontamente”, ela acrescenta. “Ele acreditava num bem maior, no coletivo sendo atendido. Dava atendimento médico gratuito também na nossa casa, e ia na casa das pessoas quando solicitado, de dia ou de madrugada, nas fazendas ou na cidade.”

Como servidor público concursado, doutor Jahyr trabalhou, desde 30 de outubro de 1958, no único posto de saúde da cidade, na época instalado na esquina da Rua Capitão Domiciano Cristino com a Avenida Antônio Ribeiro dos Santos, onde atualmente está instalado o destacamento da Polícia Militar. Era o médico-chefe do local.

Um novo posto de saúde, mais amplo, fora construído na Vila Vitória, próximo à Santa Casa. O Posto Central, como os guaraenses o conhecem, ainda hoje é a maior unidade municipal de saúde. A unidade leva seu nome, como atestam as fotos em duas paredes da sala de entrada.

O LIBERAL

A imagem do casal segurando frascos de lança-perfume em uma das noites do carnaval de 1965 pode transparecer que doutor Jahyr era um homem de vícios. Ledo engano. Até porque, naquela época, lança-perfume – uma novidade importada da Argentina – era um simples odorizador de ambientes, bastante utilizado para proporcionar frescor aos foliões durante os rodopios no salão.

Socialmente, no entanto, era comum doutor Jahyr ser visto ao lado de um copo de uísque e com cigarro aceso. Puro jogo de cena: o uísque derretia no gelo sem que o copo fosse tocado; e o cigarro queimava entre os dedos, sem que ele desse qualquer tragada.

De qualquer forma, era um sujeito liberal, no trato com os filhos, com os amigos e mesmo com os pacientes, lembra a caçula Guta: “Meu pai gostava de tirar sarro, era um gozador. Como clínico geral, era muito intuitivo, captava com facilidade o que o paciente precisava”. A filha acrescenta: “Era um homem liberal, sem maiores formalidades. Os filhos o chamavam de você, o que era muito raro naquela época. Minha mãe, sim, é quem nos fazia andar na linha”.

“Era realmente um homem diferente para a época, muito liberal com os filhos, amigo de todos, dinâmico, muito alegre, divertido. Gostava de ir a festas, bailes, casamentos”, ressalta Eduardo Tavares Barboza, que nasceu na fazenda vizinha à dos pais do doutor Jahyr e, como amigo dos filhos mais velhos, especialmente de Quim, frequentava a casa dele, seja na cidade, seja no campo.

“Nasci na roça, então gostava muito de catira. Eu e doutor Jahyr dançávamos catira juntos, onde estivéssemos. Se tocasse uma música de catira, eu e ele começávamos a bater o pé”, recorda-se Barboza.

O SOCIAL

Esse espírito afável e coletivista levou Jahyr de Paula Ribeiro a se engajar em muitos movimentos da sociedade, em várias frentes. Foi presidente-fundador do Rotary Club de Guará, o que não o impediu de ser homenageado pelo Lions, em 1974, como Cidadão Benemérito da Comunidade Guaraense.

Ajudou a construir e presidiu a Associação Atlética Guaraense (AAG), ainda hoje o maior clube social da cidade. Como presidente do Conselho de Curadores, ajudou a fundar a Fundação Educacional de Ituverava, mantenedora da Faculdade de Ciências e Letras.

Foi presidente da Sociedade Beneficente São João da Escócia, da Loja Maçônica União Ituveravense, para a qual levou vários amigos. “Ele convidou a mim, o Renê, o Zé da Fia, o Mário Nakano e outros para a loja de Ituverava”, testemunha o advogado Ayrthon Álvaro dos Santos, o doutor Nico. “Doutor Jahyr foi um médico muito atencioso, uma figura exemplar em Guará”, ele considera.

Os guaraenses que integravam a Maçonaria em Ituverava decidiram, em 1990, fundar uma loja em Guará. E a batizaram com o nome dele. Desde então, todos os documentos oficiais da loja maçônica trazem o nome completo da instituição: Loja Maçônica Dr. Jahyr de Paula Ribeiro. “Foi uma pessoa de boa índole, um homem de família, que é o que mais a Maçonaria preza”, diz o venerável da loja em Guará, Adriano Pereira de Souza.

O SONHO

Nascida no movimento estudantil em Curitiba, a vocação de doutor Jahyr para a política manifestou-se em Guará. Foi eleito para dois mandatos consecutivos de vereador: em 1964-68 e em 1969-72, sem receber salário pela função. Por duas vezes presidiu a Câmara Municipal.

O idealismo o encorajou a disputar a prefeitura, em 1972, como candidato a vice-prefeito na chapa encabeçada pelo agrônomo Urbano de Andrade Junqueira. Naquela que é considerada a disputa mais acirrada da história guaraense, a chapa doutor Urbano-doutor Jahyr foi derrotada por Alcides Furtado por pouco mais de 100 votos de diferença, o que acirrou os ânimos entre integrantes dos dois grupos políticos rivais.

Com isso, doutor Urbano abandonou a política e, em 1973, doutor Jahyr – que, segundo a filha Guta, sonhava em ser prefeito de Guará – mudou-se para Ribeirão Preto com a família. Como médico sanitarista nível 3, ficou lotado na Divisão Regional de Saúde, a DRS-6. Foi médico-chefe do Centro de Saúde I de Ribeirão.

O CÂNCER

Em 1975, transferiu-se – com a família – para São Paulo, onde ele e doutora Ephigênia fizeram, durante o ano todo, o Curso de Saúde Pública na USP. Em 1976, retornou a Ribeirão. Em janeiro de 1977, teve diagnosticado um tumor na cabeça. Tratou do câncer no Hospital Sírio-Libanês, na capital paulista. Faleceu em 8 de dezembro daquele ano, aos 55 anos de idade.

Sucessor político do grupo que perdera a eleição de 1972, o agrônomo Marco Aurélio Migliori venceu o pleito seguinte para prefeito de Guará. Formado na Escola Nacional de Agronomia, no Rio de Janeiro, Marco Aurélio conta ter pegado afinidade com doutor Jahyr no começo da década de 70. “Ele era presidente do Rotary, tinha sido presidente da Câmara, a gente ia juntos em reuniões da cooperativa de leite”, conta. “Eu notava que doutor Jahyr tinha muita vontade em participar da política.”

Teria sido um bom prefeito?

“Acredito que sim”, diz Marco Aurélio, que era prefeito de Guará quando doutor Jahyr morreu. Ele tem recordações do dia seguinte: “O velório foi na casa do Joaquim Telles. Muita gente foi lá se despedir dele. Ficamos tentando ligar para amigos e parentes que moravam fora, para que todos pudessem se despedir. Mas não conseguíamos ligação. Naquela época, era preciso ligar para Ituverava para que a central de lá completasse a ligação. Ligávamos insistentemente e ninguém atendia. Desesperado, fui à delegacia de polícia e pedi para eles passarem uma mensagem de rádio para a delegacia de Ituverava, e mandassem uma viatura na telefônica para ver o que estava acontecendo. Encontraram a telefonista dormindo”.

Foi preciso, portanto, interromper o sono profundo da telefonista de Ituverava para que amigos e parentes pudessem velar o mais profundo dos sonos de um dos maiores guaraenses da história.